A taxa de mortalidade materna no Rio Grande do Norte está 64,11% acima da média nacional do país. Em 2021, foram registrados 74 óbitos do tipo no estado e a razão de mortalidade materna potiguar, cálculo que relaciona o número de óbitos e a quantidade de nascidos durante o ano, corresponde a 175,6 por 100 mil nascidos vivos. Os dados são da Secretaria do Estado de Saúde Pública (Sesap). Conforme o Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna do Ministério da Saúde, esse índice supera a média nacional que foi de 107 mortes por 100 mil nascidos vivos. Ainda segundo o Ministério, 92% dos casos de mortalidade materna são evitáveis.
Os números consideram mortes de mulheres grávidas ou até 42 dias após o parto. Conforme com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), o Rio Grande do Norte registrou 74 casos de óbitos maternos declarados no ano passado, um aumento de 27,58%% nas ocorrências quando comparado ao índice de 2020 (58 casos). São praticamente seis mortes por mês em 2021. Os anos de 2019 e 2018 registraram, respectivamente, 31 e 25 óbitos maternos. Os principais motivos desse cenário se dividem entre causas obstétricas diretas e indiretas.
Na primeira, as mortes ocorrem por complicações obstétricas durante a gravidez, parto ou puerpério devido a intervenções, omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes. No RN, quadros de hipertensão, também agravados pela obesidade, a ocorrência de infecções e hemorragias correspondem a maioria dos óbitos. As indiretas estão relacionadas a doenças pré-existentes à gestação ou que se desenvolveram durante a gestação, agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez, como doenças do aparelho circulatório, respiratório, sífilis, doenças infecciosas e parasitárias.
Segundo a gestora de atenção à saúde da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), Maria da Guia de Medeiros, os últimos dois anos tiveram um considerável agravante: a covid-19. “No ano de 2021, tivemos 45 óbitos maternos em decorrência da covid no Rio Grande do Norte. Muito provavelmente elas tinham asma, eram hipertensas ou obesas, porque sabemos que a covid, em geral, teve um desfecho pior em pessoas que tinham essas comorbidades”.
Além disso, o problema é multifatorial. Questões como acesso ao serviço de saúde, exames realizados no tempo oportuno, cultura profissional das equipes e o alto índice de parto cesárea também são pontos que podem levar a um quadro de mortalidade materna. Para Maria do Carmo Lopes, presidente da Comissão de Luta pela Redução da Mortalidade Materna da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Norte (Sogorn), a morte materna representa um dano muito grande à sociedade.
Além da mulher que perde a sua vida em pleno tempo produtivo e reprodutivo, há também a questão da orfandade. “Ninguém fala sobre esse vazio, é um problema social muito grave para qual, às vezes, os nossos gestores de políticas públicas de saúde não estão atentos”. A médica também comenta que o cenário de pandemia dificultou o atendimento de pacientes gestantes acometidas pela covid-19 no país inteiro.
“Há uma dificuldade dos médicos intervencionistas e intensivistas de ligar com a gestante porque a gravidez não termina só com parto. Temos o puerpério em que a mulher passa por muitas modificações, tanto físicas como endócrinas, e que precisa ser considerado de uma forma diferente. Qualquer queixa da mulher tem que ser valorizada. No puerpério, ela vai ao posto de saúde para fazer o teste do pezinho, do olho e da orelha, garantir as vacinas do bebê, mas ninguém se lembra de olhar para a mãe e examiná-la”, pontua.
Rede de atendimento precisa ser expandida
De acordo com o Núcleo de Vigilância de Óbito do Setor de Estatísticas Vitais da Secretaria Municipal de Saúde de Natal, foram registrados 27 óbitos maternos entre 2018 e 2022, sendo registrados cinco casos em 2018, um em 2019, dois em 2020, dezesseis em 2021 e, até o presente momento, três em 2020. Na Maternidade Januário Cicco, unidade de referência para o Rio Grande do Norte, foram registrados três óbitos maternos em 2021. Nos anos anteriores, ocorreu um óbito em 2020, três em 2019 e quatro em 2018.
A gestora Maria da Guia destaca que isso acontece pois a Maternidade dispõe de um aparato adequado, com aparelhos de ultrassonografia, cardiotocografia, entre outros, bem como uma equipe de saúde multidisciplinar, além de dispor de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para internação. “Quando essa mulher está dentro do serviço, nós temos uma rede de cuidado muito boa, mas isso não acontece em todo lugar. Para alto risco, também temos o Hospital Santa Catarina e a Maternidade Almeida Castro em Mossoró. São sete regiões de saúde no Rio Grande do Norte. Precisamos ter, pelo menos, uma maternidade de alto risco em cada para que as mulheres não precisem se deslocar tanto em momentos de alta necessidade”, comenta.
Segundo a médica, é preciso pensar na mulher em primeiro lugar e desmitificar a ideia de que a gravidez é algo tão natural e descomplicado. “A gestação provoca muitas alterações no corpo da mulher, alterações essas que são físicas, de aumento de peso e alteração na circulação. Uma grande parte das mulheres não apresentam problema nenhum, mas muitas têm dificuldades. Acredito que o primeiro passo é planejar a família e estar bem. Segundo, a mulher precisa saber sobre rede de pré-natal e encontrá-la pra realizar seu acompanhamento. Se ela não consegue acessar o serviço ou ele não é bom, já temos duas grandes falhas no sistema”.
A obstetra Sandrégenes Maia, profissional do Instituto Santos Dumont (ISD), pontua que o fortalecimento do segmento pré-natal é o caminho para a redução de mortes maternas no Rio Grande do Norte. “Temos uma dificuldade muito grande na atenção primária porque muitas vezes faltam profissionais e qualificação. O pré-natal é extremamente importante pois lá vamos conseguir diagnosticar precocemente as complicações da gestação”, diz.
Samara Dantas, coordenadora das Redes de Atenção à Saúde da Sesap, afirma que o óbito materno tem um percurso que não inicia na maternidade. “É algo que começa na atenção primária, no pré-natal ou no pré-natal que não foi possível ser acessado, naquela gestante que precisava de um pré-natal de alto risco e não teve isso assegurado. É um conjunto de fatores que vão contribuir para esse óbito, mas essa razão de mortalidade não é uma luta para as maternidades. Ela é uma luta para os gestores, para a sociedade e para os diversos equipamentos de saúde que estão no território”.
“Nesse ano de 2021 a sobrecarga do sistema de saúde era constante, com capacidade de resposta comprometida para o atendimento e internação aos casos de covid-19, assim como para outras demandas represadas, comprometendo não só a atuação da atenção terciária (hospitalar) como a própria atenção primária à saúde (APS). Pode-se ainda, observar, que muitas das gestantes e puérperas chegavam aos leitos clínicos e críticos de forma tardia e com manejo clínico inadequado. A manutenção da saúde das gestantes e puérperas é diretamente ligada à Atenção Primária à Saúde (APS), sob responsabilidade direta das gestões municipais, pois é onde ocorre o acompanhamento pré-natal e puerpério”, explica Samara.